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O dia em que vi Maradona jogar

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Não lembro exatamente o ano. Mas era um final de dezembro. Decidi ir a Montevidéu, sem qualquer tipo de programação pré-estabelecida. Algo meio instintivo. Era chegar lá e ver o que fazer. Fui de carro, saindo do Brasil por Aceguá, passando por Melo, depois Treinta y Tres, até chegar ao destino. Foram 750 km de estrada. Lembro que o asfalto em solo uruguaio era um tapete, mas chamava a atenção o fato de haver pouquíssimos veículos na estrada. Era uma sensação estranha. Parecia um caminho fantasma.

Ao chegar, me acomodei num hotel no centro. Depois, desci ao saguão para ler o jornal local. Queria ver o que tinha para se fazer na cidade. A minha leitura ia tranquila, até chegar à parte de esportes. Ali, uma surpresa. Haveria uma partida beneficente, no Estádio Centenário, para uma jovem que tinha sofrido um acidente e passou a ter sérios problemas de locomoção. Mas o que me chamou a atenção foi a relação de jogadores que iriam participar. Estavam confirmados astros do futebol uruguaio e argentino, quase todos já aposentados, como Hugo de León, Oscar Ruggeri, Enzo Francescoli, Claudio Caniggia e... Diego Armando Maradona. Saltei os olhos. Jamais tinha imaginado poder ver El Pibe de Oro (o garoto de ouro) jogando. Era uma oportunidade única. Para quem viajara a Montevidéu sem qualquer programação, aquela tinha caído do céu: assistir Maradona ao vivo.

Cheguei cedo ao Centenário. O estádio é lendário no contexto do futebol mundial, tendo sido construído para sediar a primeira Copa do Mundo, em 1930. É considerado patrimônio cultural da humanidade. Mesmo sendo muito antigo, carrega um charme e um sentimento difícil de explicar. Estar ali é algo meio mágico.

Iniciada a partida, fui me divertindo com aquela fartura de craques da bola. E Maradona, com a sua perna esquerda, administrava a partida. O jogo todo passava por ele. No centro do campo, rente à lateral, a jovem vitimada pelo acidente assistia atentamente. Sentada numa cadeira de rodas, apreciava tudo, feliz pela solidariedade que recebia de todos que estavam ali.

Lá pelas tantas, no segundo tempo, houve uma falta na meia lua da grande área. Ato contínuo, Maradona pegou a bola para a cobrança. Expectativa no estádio. O camisa 10 ajeitou-a com carinho e se afastou alguns poucos passos. Correu e sutilmente colocou-a no ângulo, sem qualquer chance de defesa para o goleiro, que só conseguiu vê-la beijar a rede.

Na comemoração, o momento mais emocionante daquela noite. Maradona correu em direção à beira do campo e foi festejar o gol nos braços da jovem de cadeira de rodas. Os demais jogadores começaram a ir também. De repente, estavam todos festejando com a menina, que sumiu em meio a tanto carinho. Ficaram um bom tempo comemorando junto dela. Foi uma cena comovente. O público, com os olhos marejados, aplaudia calorosamente a comemoração do gol. Aquela cena já valeu o ingresso.

Maradona foi um gênio dentro de campo. Carregou sua Argentina ao título de campeã mundial, em 1986. Passou sua vida esportiva driblando os adversários e produzindo lances mágicos. Só não conseguiu driblar a dependência das drogas. Nesse jogo, perdeu de goleada. E acabou pagando caro por isso, partindo muito cedo. Ao saber da morte de Maradona, a primeira coisa que me veio na lembrança foi esse dia, em Montevidéu, no Estádio Centenário. O dia em que vi Maradona jogar.

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